Por que seis andares?

Na mais nova campanha do Casapark, um dos nossos convidados, o produtor de moda Marcus Barozzi, levanta as seguintes perguntas: qual é a razão dos prédios das Superquadras terem até seis andares? Lucio Costa realmente disse que a escolha foi feita para que uma mãe pudesse gritar para o filho subir de volta pra casa? Fomos atrás de responder às questões do Marcus. Conheça um pouco mais sobre o plano de Lucio Costa para os blocos residenciais do Plano Piloto:

“Creio que houve sabedoria nesta concepção: todos os prédios soltos do chão sobre pilotis, no gabarito médio das cidades europeias tradicionais – antes do elevador –, harmoniosas, humanas, tudo relacionado com a vida cotidiana; as crianças brincando à vontade ao alcance do chamado das mães”, escreveu Lucio Costa em sua autobiografia, Registro de uma vivência.

Não foi detalhamento técnico ou algum estudo de escala específico que Lucio preferiu destacar ao explicar sua escolha, apesar desse embasamento técnico ter sido profundamente trabalhado. Ele optou por ressaltar a imagem viva e humana, o retrato de um típico dia a dia harmônico. Crianças brincando à vontade. Mães logo ali, prontas para o chamado quando necessário.

Marca do seu trabalho, a humanização está na alma da arquitetura de Lucio Costa. Nascido em 1902, ele foi responsável pela construção de um novo pensamento intelectual no Brasil, um que tinha por objetivo trazer equilíbrio entre ideias inovadoras sempre pautadas pelo futuro e um olhar mais acolhedor do passado, do clássico e do tradicional.

Como destaca o professor Gabriel Dorfman, do Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB): “pode-se resumir o motivo que levou Lucio Costa a estabelecer esse gabarito a uma única coisa: sua extrema sensibilidade para a escala humana dos edifícios e, principalmente, dos espaços urbanos”.

A escala para uma altura de até 20 metros, o tamanhos dos prédios de seis andares, permite às pessoas perceberem e observarem as construções como um todo e interagirem do térreo com quem estiver no andar mais alto. “Logo, o que resulta dos gabaritos (de altura e de distâncias entre prédios) impostos por Lucio Costa às superquadras é um ambiente urbano verdadeiramente humano”, explica o professor Gabriel Dorfman.

Em sua publicação A Invenção da Superquadra, os arquitetos Marcílio Mendes Ferreira e Matheus Gorovitz analisam as escolhas de Lucio Costa para o desenho do Plano Piloto, mais especificamente para as áreas residenciais, resolvidas como Unidades de Vizinhança. Para eles, a vantagem do gabarito máximo nas Superquadras é manter a proporção, a simetria e a isonomia da estruturação plástica da cidade. “Alinhadas, as UVs combinam-se numa sequência regular que as harmoniza num ritmo cadenciado – de modo eurrítmico.”

Leia o trecho em que Lucio Costa menciona a escolha pela altura máxima dos prédios residenciais das Superquadras:

“Para conciliar a escala monumental, inerente à parte administrativa, com a escala menor, íntima, das áreas residenciais, imaginei as superquadras — grandes quadrados com 300m de lado — que propus cercadas em toda a volta por uma faixa de 20m de largura plantada com renques de árvores cujas copas se tocam, que mexem com o vento e respiram, formando assim, em vez de muralhas, enquadramentos vivos, abrindo para amplos espaços internos.

Creio que houve sabedoria nesta concepção: todos os prédios soltos do chão sobre pilotis, no gabarito médio das cidades europeias tradicionais — antes do elevador —, harmoniosas humanas, tudo relacionado com a vida cotidiana; as crianças brincando à vontade ao alcance do chamado das mães, com a escola primária na própria quadra; no acesso a cada quatro delas, um núcleo comercial com ‘lojas de bairro’, e das demais entrequadras, alternando-se, escola secundária, igreja, clube, cinema, supermercado. Com isto, as ‘áreas de vizinhança’ justapostas não são estanques — se permeiam.”

Leia o texto do professor Gabriel Dorfman, do Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) na íntegra:

Pode-se resumir o motivo que levou Lucio Costa a estabelecer esse gabarito a uma única coisa: sua extrema sensibilidade para a escala humana dos edifícios e, principalmente, dos espaços urbanos.

Por sensibilidade a essa escala se entende a sensibilidade e o respeito à maneira como funciona o corpo humano e seu aparelho sensorial. Nessa faixa de alturas (20 metros), seres humanos podem, fazendo uso de seus sentidos, perceber e observar os objetos construídos que constituem seu ambiente físico (bem como perceber a presença de outros seres humanos ali presentes como indivíduos, e não como massas disformes e anônimas). Não precisam de helicópteros, nem de balōes ou drones, nem necessitam se afastar centenas de metros de um prédio ou elevar-se dezenas de metros do chão para perceber o ambiente em que se encontram e apreendê-lo em seu todo.

Logo, o que resulta dos gabaritos (de altura e de distâncias entre prédios) impostos por Lucio Costa às superquadras é um ambiente urbano verdadeiramente humano: um ambiente em que pessoas têm a possibilidade de fruir da vegetação, dos prédios, das demais pessoas e do espaço constituído e balizado por esses elementos. Tal fruição é a base de qualquer experiência estética; ela é uma possibilidade que se oferece cotidianamente aos frequentadores das superquadras de Brasília.

Em um país como o Brasil, onde as cidades vêm sendo configuradas há pelo menos cinquenta anos de maneira a simplesmente negar a seus habitantes a menor possibilidade de algo que sequer se aproxime de uma fruição estética de seus espaços, aos moradores e frequentadores habituais das superquadras de Brasília é dada a possibilidade de experimentar algo que deveria ser direito de cada um dos citadinos do país e que, infelizmente, lhes é negado sob os mais variados pretextos.