Artesanato e ativismo: o uso da madeira maciça por Zanine Caldas

Uma das características que marcou as obras de Zanine foi o reaproveitamento de materiais disponíveis para criação de seu mobiliário e arquitetura. Em Nova Viçosa, na Bahia, esse reaproveitamento é utilizado como forma de protesto. Os chamados Móveis Denúncia alertam para uma Mata Atlântica que sofria pelo desmatamento e pelo desperdício de sua matéria-prima.

Quando chegou em Nova Viçosa, na Bahia, em 1968, José Zanine Caldas encontrou, como em outras vezes, um cenário que o ajudou a colocar suas ideias em prática. Após viagens, em 1964, pela América Latina e pela África e em seguida a um desencantamento pelo trabalho com a industrialização, que envolveu o projeto bem-sucedido Móveis Artísticos Z, ele encontrou uma região em situação de desperdício, um cenário de troncos tombados e queimados, em uma floresta cheia de matéria-prima. Essa etapa foi o início de um movimento que culminou nos denominados Móveis Denúncia.

A região também contava com muita mão de obra, como retrata Ethel Leon, jornalista e doutora em Arquitetura e Urbanismo, no livro Memórias do Design Brasileiro. Na obra, Leon descreve: “em Nova Viçosa, sempre preocupado com o enorme contingente de trabalhadores não qualificados, Zanine arregimentou os canoeiros desempregados e ensinou-lhes o ofício de obreiros de madeira, aproveitando os destroços da Mata Atlântica.”
A produção local encantou Zanine e o levou a recomeçar um trabalho estritamente artesanal. Esse foco não o impediu de continuar seu trabalho como arquiteto. Da Bahia, fazia projetos para todo o país, muitos deles para Brasília. “Ele estava pré-fabricando a estrutura de madeira, um projeto dele para uma embaixatriz, no Lago Sul, e eu acompanhei, então, a codificação dos pilares, vigas, barrotes, caibros, piso, portas, janelas, todos os elementos de madeira maciça, certamente produzidos na serraria dele lá de Nova Viçosa”, lembra o arquiteto Luiz Otavio Chaves.

As fases do uso dos compensados pelo Móveis Artísticos Z e da preferência pela madeira maciça no Móveis Denúncia parecem contrastantes. É fato que a natureza está na raiz do baiano nascido em Belmonte, Região Cacaueira do Estado. Nas obras, ela se mistura com a arquitetura e viram algo único, se complementam de forma harmoniosa. E o ponto da sustentabilidade está em profunda ligação com quem ele foi.

A troca da produção seriada pela artesanal, duas formas tão distintas, se encontra em uma busca pelo total aproveitamento de matéria-prima, característica marcante em toda obra feita pelo ser criativo e autodidata que habitava nele. “O que ele usava nas duas questões era o desperdício de matéria-prima, principalmente. No caso, madeira e os derivados de madeira, chapas de compensado, que na época eram grandes vedetes da indústria”, explica o professor do IFB e doutor em Teoria e História da Arte pela UnB, Frederico Hudson Ferreira.
Zanine usava o que havia de mais abundante em um local para construir uma casa. Utilizou de diversos materiais ao longo de sua carreira, como taipa, mármore, pedra, mas firmou seu legado na madeira. “Deixou uns discípulos, artesãos que trabalham com madeira, ou que trabalhavam. Um deles eu sei que chama Benedito, mas já se aposentou e outro já faleceu. Trabalhavam com cipó e ajudando a construir casas de sopapo”, conta Múcio José Gazzinelli, atual dono da Fazenda Campo Grande, plano de reserva ecológica e retiro alternativo de Zanine e Frans Krajcberg.

A estadia no extremo sul da Bahia também marcou a parceria com o artista plástico Frans Krajcberg, que juntos construíram uma narrativa de protesto contra o uso irracional da floresta. Krajcberg chegou a Nova Viçosa na década de 70, convidado por ele. Naquela terra, produzia objetos como esculturas feitas de materiais oriundo de árvores, restos das matas, as quais chamou de “meu grito”. O artista construiu na pequena cidade o Sítio Natura, uma reserva ecológica onde morou na Casa da Árvore, projeto feito por Zanine Caldas.

A Fazenda Campo Grande possui duas casas, uma delas, segundo o atual dono, não tem mais as características do projeto original de Zanine. Ela foi construída na propriedade uma casa apenas para hóspedes. Já a outra é descrita como “em formato de seta, apontando para o rio”, com escada, colunas e esteios de madeira maciça, preservando as características da construção original.

Mais uma divergência entre o Móveis Artísticos Z e Móveis Denúncia foi a acessibilidade de consumo. Se em um a obtenção era de mais fácil acesso, o outro poderia custar mais a quem se dispusesse a adquirir esse tipo de mobiliário. “Isso é uma distribuição de renda e eu acredito que também era uma questão do Móveis Denúncia. Você vender uma poltrona que seja 5, 7 mil, está transferindo a renda desse comprador para o artesão”, observa Frederico Hudson Ferreira.